Já no primeiro capítulo Do título temos a explicação do termo Casmurro, apelido que significa homem cismado, carrancudo e triste. Temos nosso protagonista, Bento, em sua velhice, rememorando fatos de sua vida, detalhe por detalhe, diálogo por diálogo. Seu apelido, dado por um poeta que o aborda, vem a calhar, já que Bento é um homem amargurado e que se mostra arrependido e resolve então botar em literatura o que a mente lhe atormenta.
O protagonista é Bentinho, menino de personalidade fraca, controlado pela mãe que, como promessa por ele ter sobrevivido ao parto, obriga-o a entrar em um convento para tornar-se padre (as opções dessa época eram essa, medicina ou advocacia entre a aristocracia). Porém, Bento não está interessado nisso e sim em sua vizinha e personagem principal da história, Capitu.
“Também adverti que era fenômeno recente acordar com o pensamento em Capitu, e escutá-la de memória, e estremecer quando lhe ouvia os passos. Se se falava nela, em minha casa, prestava mais atenção que dantes, e, segundo era louvor ou crítica, assim me trazia gosto ou desgosto mais intensos que outra, quando éramos somente companheiros de travessuras.”
Capitu, personagem extremamente forte, insinuante e ardilosa é pior reconstruída psicologicamente quanto mais a trama se aprofunda e Bentinho envelhece. Mesmo quando menina, há sempre traços que levarão à Capitu mulher, impetuosa, digna do ciúme doentio de seu marido embasado por suas fortes suspeitas que o fazem julgá-la adúltera. Como Dom Casmurro é escrito em primeira pessoa e Machado de Assis deixa claro, não há nenhuma imparcialidade do narrador. Todas as construções de situações, diálogos, discrições, pensamentos, atitudes, tudo é meticulosamente ambíguo para criar a dúvida no leitor: Afinal, Capitu traiu ou não Bentinho?
“Nem sobressalto nem nada, nenhum ar de mistério da parte de Capitu; voltou-se para mim, e disse-me que levasse lembranças a minha mãe e a prima Justina, e que até breve; estendeu-me a mão e enfiou pelo corredor. Todas as minhas invejas foram com ela. Como era possível que Capitu se governasse tão facilmente e eu não?”
Porém, ao contrário do que alguns professores ainda fazem – O Julgamento de Capitu – a resposta dessa pergunta é desinteressante. Traindo ou não, nada muda a mente corroída de ciúmes de Bento. Esse ciúme que vem desde a infância de ambos – contado em tom jocoso – só se confirmou e formou bases com Escobar, amigo de seminário, figura cativante adorado por todos e o crescimento de seu filho com a mulher, Ezequiel, que ao longo dos anos, aos olhos do Dom Casmurro, foi se tornando cada vez mais parecido com o ex-amigo.
"Não me mexi; era nem mais nem menos o meu antigo e jovem companheiro de seminário de S. José, um pouco mais baixo, menos cheio de corpo e, salvo as cores, que eram vivas, o mesmo rosto do meu amigo.”
Um livro super interessante, com capítulos pequenos, personagens secundários alegóricos e enfoque na introspeção do narrador, mergulhado em sua amargura e em seu passado. Não é a toa que faz parte da leitura obrigatória dos principais vestibulares do Brasil. Foi transformado em série pela Globo em 2010, com o título de Capitu, que vale muito a pena assistir, fidelíssimo ao livro. Uma grande obra com uma das melhores personagens femininas na literatura brasileira de um excelente autor.